O grande número de participantes foi conseguido porque este estudo, intitulado “Não se livrem dos livros impressos”, é uma meta-análise (ou seja, combina os dados e conclusões de outros 54 estudos, feitos entre 2000 e 2017). “É mais poderoso do que um só estudo”, esclarece o investigador espanhol, reconhecendo que só não é vantajoso por estarem restringidos por aquilo que os outros investigadores fizeram. Além de Salmerón, o estudo foi levado a cabo por três outros cientistas da Universidade de Valência e uma investigadora do Technion — Instituto de Tecnologia de Israel.
Como se lê no estudo, as pessoas adoptam um “estilo de processamento mais superficial” quando estão a ler num formato digital, podendo também estar envolvida uma falha na qualidade e na capacidade de atenção. Seguindo esta hipótese, “quanto mais as pessoas utilizarem os meios digitais para estas interacções superficiais, mais difícil será usá-los para tarefas desafiantes”, daí que os cientistas recomendem cautela com a utilização de dispositivos electrónicos para leitura na sala de aulas.
Outro dos factores a ter em conta para uma compreensão eficaz é o tempo disponível para a leitura – o que é um “condicionamento clássico”, em salas de aulas. Quanto menos tempo for dado, mais eficaz é a leitura em papel. O investigador espanhol esclarece que isto está relacionado com “a forma como o nosso cérebro gere recursos no processo de leitura”: “Podemos pensar nisto como se fosse uma corrida. Se tivermos de correr 100 metros sem que o tempo conte, podemos ir ao ritmo que quisermos e consegue-se fazê-lo; se só tivermos um minuto, é diferente.” E acautela: “É por isso verdadeiramente importante que os estudantes estejam a gerir recursos de forma eficaz. É por isso que nestas situações se torna crítico que o dispositivo não nos perturbe, ou que nos faça pensar que estamos a ler e a interpretar quando na verdade não estamos.”
O investigador admite que também ele prefere ler em papel, mas por questões profissionais acaba por ler muitos textos no ecrã. “De outra forma, não conseguiria conciliar todos os pequenos relatórios e textos que tenho para ler”, diz.
Quando se trata de textos narrativos (romances, poesia), pouco importa se se lê em papel ou em suporte digital, porque a linguagem é menos técnica e mais próxima daquela que é utilizada no dia-a-dia, com mais diálogos, explica Ladisla Salmerón. “Trata-se mais de quão desafiante é o texto, e as narrativas tendem a ser menos. Os textos informativos são mais desafiantes para a nossa estrutura mental, precisamos de analisar vocabulário mais complexo, mais técnico”, adianta. No estudo, os cientistas alertam que há terrenos incertos e que ainda é precisa mais investigação para aprimorar técnicas.
A equipa também considerou importante investigar a diferença que existe entre a leitura digital feita em computadores e aquela que é feita em telemóveis, em e-readers (leitores de texto, como o Kindle) ou em tablets. “Na maior parte dos estudos, o digital refere-se a ecrãs de computador. Os tablets e ebooks são muito mais recentes, talvez daqui a cinco anos tenhamos algo diferente”, diz. Os investigadores reiteram que há poucos estudos e meta-análises sobre a influência da natureza do meio nos resultados de leitura.
E soluções?
Voltando à forma como a leitura em formatos digitais afecta a interpretação, sobretudo nos mais novos, Ladisla Salmerón diz que não é preciso vilipendiar a tecnologia, mas encontrar soluções. “Não quero acreditar nem defender que é a tecnologia em si a causadora disto – mas é o uso que fazemos dela. As redes sociais, as conversas superficiais, as recompensas imediatas… não está a fazer nada de bom”, lamenta.
O estudo, publicado em Novembro de 2018 e feito no âmbito de um projecto europeu, mostra “de forma inequívoca que há uma inferioridade dos ecrãs, com resultados de menor eficácia de compreensão de leitura nos textos digitais quando comparados com os textos em papel”. Essa desvantagem é ainda maior em textos em que é preciso fazer scroll.
A leitura digital acaba por ser uma parte inevitável nas escolas. “O facto de não podermos impedir a tecnologia de chegar às escolas não significa que não possamos ser mais selectivos”, observa Ladislao Salmerón. “Isto é real. Não é um problema científico, é um verdadeiro problema que as crianças estão a enfrentar. Precisamos de mais intervenção do lado pedagógico, é preciso perguntar ‘o que podemos fazer para melhorar a interpretação textual através da tecnologia?’”
Para os investigadores, não se pode ignorar a reduzida eficácia dos ecrãs para se tomar decisões políticas e educativas e, “pior ainda, pode fazer com que os leitores não beneficiem inteiramente das suas capacidades de interpretação textual e evitar que as crianças as desenvolvam sequer”. No caso da interpretação textual, diz Salmerón, “é provável que se tenha mesmo de abandonar a tecnologia”.
Apesar das recomendações dos cientistas, há locais em que é dada primazia a recursos educativos digitais, deixando já o papel de parte (mas cada manual pode sempre ser impresso por cada utilizador). Nos Estados Unidos, por exemplo, o estado da Califórnia aprovou uma lei há dez anos em que ficou estipulado que todos os manuais académicos devem estar disponíveis online, em formato digital, até 2020. Também na Florida, em 2011, os deputados legislaram que as escolas públicas devem adoptar manuais escolares electrónicos, deixando o papel por inteiro. Em Portugal, raros são os casos de manuais escolares que vivam por si fora do papel, mas existem manuais que vêm acompanhados de materiais electrónicos (exercícios, vídeos, complementos à matéria). Em 2017, os deputados portugueses aprovaram uma proposta que visava o “fomento e generalização da desmaterialização dos manuais escolares”.
Claudia Carvalho Silva
claudia.silva@publico.pt
Fonte: Publico

Leave a Reply
Want to join the discussion?Feel free to contribute!